terça-feira, 18 de setembro de 2012

toda nudez será explorada

A condessa e seus peitos. Livres na belíssima Riviera Francesa.
E daí, minha gente, e daí? Eram só peitos, felizes, a desfrutar do sol do Mediterrâneo... Mais um par dentre muitos outros que certamente já deram o ar da graça por lá.
Mas tá. Entendo. Não vamos ser simplistas. Gente é bicho muito estranho.
Dependendo da dona dos peitos, não sao só peitos, óbeveo. Eram o tilintar de milhares de euros, certeiros, nas contas bancárias dos fotógrafos e das revistinhas fofocóides. Eram os olhos de mihões de curiosos querendo ver os peitos reais. 
E não adianta gritar "deixem a moça em paz". Desde a falácia do Direito Divino dos Reis a nobreza já era alvo da mais sórdida curiosidade pública. Duvido que Marie Antoinette e Louis XVI não eram espiados em suas disputadas esbórnias. E por quê não seria assim agora, época em que, conforme profetizou Andy Warhol, todos desfrutamos de alguns minutinhos de fama, graças à parafernália fotográfica que insistimos em carregar pra todo canto? Enfim, se nenhum mortal tem sossego, se não podemos respirar sem que venha um mala sacando a maquininha por perto, por que haveria de ter a condessa alguma paz?
"Ah, que não ficasse de peito de fora então". Pô, peraí! Isso é sacanagem! Eva já morreu faz tempo! Só ela mesmo pra nascer com as malditas folhinhas de parreira costuradas nas partes pudendas. Que chatice, hein? Cada uma (e cada um) que faça o que quiser com seus respectivos peitos e adjacências!
Outra cafonice absurda é partir do pressuposto de que em se tratando de figura pública, a mídia toma pra si o poder de ser relatora do caso, conclamando o público a professar suas opiniões e proferir julgamentos. Ô saco! 
O que eu quero dizer é que nada tenho (temos) a ver com os peitos da condessa. Acho uma falta de respeito tosca publicar esse tipo de coisa sobre as particularidades alheias. Acho podre ficar que nem urubu, catando na net detalhes comezinhos da vida de gente famosa.
E tem mais! Tem que ter peito mesmo pra colocar os peitos de fora assim! Uma coisa é posar, fazer ensaio, contar com os fotoshóps da vida, com produtores, luzes, truques e gigabytes de sobra pra que tudo fique perfeitamente publicável. Agora, pôr os peitos à prova da cruel luz do meio-dia, para o próprio deleite... é pra poucas, viu? É a comunhão máxima de uma mulher com o próprio corpo. A moça deu, mesmo sem saber, um tapinha de luvas à lá realeza, em qualquer plyboyzete siliconada, ávida por aclamação pública.
E que fique registrado: não vi os peitos, só ouvi as noticias sobre eles.

domingo, 16 de setembro de 2012

as dependências de empregada

Assisti duas vezes a "The Help"(em português: Histórias Cruzadas). Fiquei duplamente maravilhada. Primeiro com a história em si, dada a coragem da moça que culminou na publicação do bombástico livro; segundo, obviamente, com a maestria das atrizes escaladas.

Enfim, óbvio que ficou impossível não traçar paralelos com nossa realidade doméstica pós-escravista pseudo igualitária. Veja bem, não é uma questão do racismo escancarado, mas do racismo impregnado e mimetizado nas pequenas ações do nosso cotidiano, desde que a primeira escrava adentrou a primeira casa grande brasileira. Falar sobre esse racismo é incômodo a muitos de nossos compatriotas.
Fiquei perplexa ao analisar o paradoxal relacionamento que se estabeleceu entre patrões e suas escravas (vou me ater ao sexo feminino). Paralelamente à aversão européia ao negro africano, baseada em diferenças "raciais", convivia uma relação íntima e estreita de contemplação de necessidades diárias por parte delas. É absurda demais a relação. Elas eram instrumentos de conveniência que partilhavam de muito da vida doméstica da casa grande - eram amas de leite, lavavam as roupas, faziam a comida, ajudavam as senhoras a se vestir, a parir, a convalescer. 
O absurdo é esse. Essas mulheres carregavam um duplo estigma - eram segregadas por serem escravas, e, por serem escravas, eram parte imprescindível da vida de seus opressores, daqueles que as colocaram nessa condição. 

Desprezíveis mas imprescindíveis? Não é intrigante ver por esse aspecto? 
A fala de uma das personagens que me despertou esse questionamento e que me fez trazê-lo para a atualidade foi: "Separated, but equal", que justificava a construção de um banheiro à parte para as empregadas da casa, do lado de fora da mesma. A personagem ressaltava tal necessidade baseada no "fato" de que os negros possuíam doenças diferentes dos brancos, tornando necessária tal separação a fim de proteger a saúde da família. 
Taí o incômodo que me causou -  lembrar das tenebrosas "dependências de empregada". Não me venha com "é diferente", porque não é não.  Fui criada em famílias nas quais muitos se diziam não ser racistas, mas ambas impregnadas do mesmo racismo sutil a que me refiro. 
Fato. As empregadas não comem na mesa conosco, possuem banheiros separados e geralmente utilizam talheres, pratos e copos separados dos de uso da família. 
Me lembro do banheiro de empregada do apartamento antigo de classe média onde nasci: um cubículo com o chuveiro quase em cima do vaso. Pensei, claro, na persistência abominável dessas "dependências", mesmo nos projetos mais modernos de casas e aptos. Suas camas se espremem em quartinhos onde elas dividem seu sono com mantimentos e quinquilharias. Muitos "elevadores de serviço" ainda assombram prédios e ocupam espaço justificado na mentalidade de muita gente rude. 
Me lembrei, entristecida, de uma ocasião. Eu era criança e minha avó, comovida pelo calor que fritava as formiguinhas que varriam a rua em frente à casa, resolveu levar água gelada pra elas. A ajudei a levar as garrafas e carregar os copos. Elas, sedentas, beberam agradecidas toda água que levamos. Quando retornamos à cozinha, coloquei os copos na pia para lavá-los, mas fui interrompida por minha avó : "Espera aí. Antes de lavar tem que jogar uma água quente antes." Ficou na minha cabeça a cena da água fervendo saindo do bule e escaldando os copos. E nunca concordei com aquela atitude, assim como o filme me fez lembrar que nunca aceitei também o banheiro, o elevador, o quarto separado.
Não tem água quente que lave esses conceitos seculares.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Sobre mulheres e liberdades

Sutiãs queimados e cá estamos nós, mais enlouquecidas do que nunca.
Numa das abas do meu navegador está a gloriosa Julia Petit, com preciosíssimas dicas de maquiagem e cabelo. Na outra, o jornal do dia. Na terceira, um blog de literatura. Na minha lista aqui à direita temos de Arte a Unhas, e pronto. Vide o mesmo ecletismo da minha estante de livros, minha gaveta de cds, meus elepês e o cesto de revistas do banheiro. Medicina e piano ainda farão parte da minha vida. A miscelânea sou eu.
Só não me venha com bebês. Já disse e repito.
Fui outro dia compelida a matutar sobre esse assunto por ocasião de uma redação no cursinho, que pedia pra abordar a questão da sobrecarga feminina. Esse papo de "ter que ser" mãe, esposa, filha, amante, amiga, meretriz, enfermeira, profissional, e ainda por cima, belíssima se for possível. Façam-me o favor. Esse papo não cola não. 
Voltando aos sutiãs... Livres? Quem, filha, onde??? 
Vamos estudar então, vamos trabalhar, vamos empinar os narizes e ocupar tudo! E fomos, e vamos. Para o alto e avante. Coitadas...
O negócio ficou feio quando não deu mais pra recusar algum papel, sob pena de ser esculachada, tachada de milhares de coisas pejorativas.
O anticoncepcional, por exemplo, permitiu às coitadas postergarem um pouco a maternidade, em função de outras coisas, tipos carreira e tals. Mas cisma de dizer que num quer ser mãe não... As piores críticas virão de mulheres, pode crer. Homens também não economizam no levantar surpreso das sobrancelhas. Penduram no seu pescoço uma etiquetinha: "egoísta", "mulher-monstro".
Na outra ponta da linha, experimente ser mãe, tendo a maternidade como principal ocupação. Lá vem mais etiqueta. "Só mãe". "Acomodada".
E por aí vai, o cordão das coitadas só aumenta, de acordo com as escolhas. Poisé. Como assim, liberdade então? Se ao negarmos um ou outro papel, face à promessa de que podemos "ser tudo o que quisermos", damos a mão à palmatória da sociedade? Que liberdade é essa?
A realidade é que não é possível ser tudo isso e aquilo. Algo vai sair desconjuntado. O filho não vai ser criado direito, a carreira vai desgringolar, o marido vai embora na ventania, as noites de sono são pesadelo, o cabelo cai loucamente. 
Outra verdade é que cumprir papéis socialmente preestabelecidos não rima com liberdade.
Logo, queridas, esse papo de que ganhamos o mundo é pura mentirinha. Ganhamos o peso do mundo pra carregar sorrindo. 
Assim como são raras as pessoas que realmente fazem o que querem, mais raras ainda são as mulheres livres de verdade. Conheço algumas, memoráveis. Fazem o que querem e são felizes assim, independentemente do que forem suas escolhas e das críticas que ouvem.
Têm elas uma beleza radiante e etérea. Bate um vento e lá estão elas em pleno domínio de suas liberdades.
Vou tentando ser assim, desde pequenininha.