A vida não nos traz certezas. Chamamos de certeza o que nos traz segurança. Mas não há certezas.
Outro dia assisti um pedacinho de um espetáculo do Cirque du Soleil em que o rapaz, apoiado na corda bamba, dava piruetas no ar e caía lindamente de pé sobre a corda bamba. Eu, que morro de medo de altura, sentia arrepios pela possível queda, pelo desequilíbrio, pela vertigem.
E pensei comigo que antes de executar aquele movimento mágico, com certeza ele caiu centenas de vezes. E que com o tempo passou a cair menos, até chegar a cair muito pouco, ou cair apenas em dias ruins de ensaio. Mas imagino que a cada salto desde o início ele esteve cara a cara com o medo de cair e suas consequências: machucar-se, sentir vergonha, questionar suas habilidades e a escolha de seguir aquela carreira, de não ter ouvido conselhos sobre ser funcionário público (ou qualquer outra coisa) ao invés daquilo e por aí vai...
Mas é muito certo, muito mesmo, que por mais habilidoso que fosse, ele caiu e sentiu medo muitas vezes. E ouviu de tudo nesse meio tempo, vindo dos mais distantes até das pessoas que ele mais ama.
Mas ele seguiu com perseverança, até que ali estava ele, em pleno espetáculo, dono de seus pés, de seus movimentos, dono de si...
Porque comecei a perceber que quem não é dono de si é dono de muitas outras coisas... do medo, da preguiça, do comodismo, da baixa auto-estima, da descrença, mas principalmente de um futuro menos... sei lá... menos.
Assim, passei a crer que ter menos da vida é um desperdício, um absurdo, uma tristeza só. E que mesmo estando ainda na insistência de pelejar até não mais cair um dia, até mirar a corda com os pés certeiros e acertar o salto, já ganhei muito da vida. Muito mais do que se tivesse me enfiado nas pequenas certezas que me protegiam dos desafios e do medo de saltar.
O filme Invencible recentemente me encantou pelo significado: é a história real de um rapaz de 30 anos, habilidoso no futebol americano, mas que sequer tinha praticado este esporte na universidade, e se graduou como professor de literatura. Entre muitos apertos financeiros, surge a oportunidade de ingressar num time através de exaustivas provas físicas. Para frisar: atletas não costumam iniciar numa modalidade aos 30 anos, muito menos se não tiverem integrado os competitivos times universitários americanos. Ele se deparava a todo momento com o fato de ser "fora de hora", mas também com o vislumbre de seu sonho e com a aterradora realidade que o engolia. E um dia, se preparando para a seleção, volta pra casa exausto após horas de corrida. Ao entrar ofegante e desesperançoso pela sala de seu apartamento no subúrbio, ele se depara com as paredes descascando, com a falta de móveis e com a aura triste daquele lugar. Ainda ofegante, ele faz meia-volta, bate a porta e retoma a corrida.
O fim do filme não vou contar, mas é fantástico (http://www.imdb.com/title/tt0445990/)
Fiquei refletindo maravilhada, enfim: o que é realmente difícil? Onde ele iria chegar sentindo pena de si mesmo por seu cansaço e pela dificuldade de sua situação?
No início chorei quando caí, chorei muito porque era difícil tentar, penoso perceber a descrença de alguns e às vezes vinda de mim mesma.
A primeira chamada veio agora, sem meu nome. Mas na verdade a coisa não acabou, está começando. Estou aguardando as próximas chamadas. É possível que meu nome esteja em uma delas.
Se eu tenho medo? Sim. Mas tenho muito mais em minha vida além do medo.
"Não há vencedor que não tenha sofrido", um professor disse no final exaustivo do ano passado.
E isso é uma verdade.